Uma nova abordagem para proteger “Gig Workers”

Imagem: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Por Laura Tyson|Project Syndicate Tradução: Equipe ABET

“Uma lei recente da Califórnia impede que empresas de plataformas como Uber, Lyft e DoorDash classifiquem erroneamente seus mais de 400.000 motoristas como contratados independentes, em vez de empregados. É um primeiro passo importante para proteger os trabalhadores em um mercado de trabalho que está aumentando sua insegurança econômica.”

Confira abaixo a opinião completa.

“Nos Estados Unidos e em outras economias industriais avançadas, um número crescente de trabalhadores não trabalha mais para um único empregador em um contrato tradicional. Em vez disso, eles obtêm renda por meio de uma variedade de acordos de trabalho ‘não padronizados’, incluindo trabalho mediado por plataformas digitais ou o chamado ‘gig work’.

A distinção entre um funcionário e um trabalhador de ‘gig work’ não é inconsequente. De acordo com as leis atuais, os funcionários têm direitos e acesso a proteções e benefícios significativos não fornecidos aos trabalhadores de gig work. Uma questão crítica que agora enfrenta os formuladores de políticas é se os trabalhadores de gig work devem ser classificados como contratados independentes ou como empregados das empresas de plataforma com as quais têm contratos de trabalho e para cujos clientes prestam serviços.

A Califórnia, um estado dos EUA com mais de dois milhões de contratados independentes, tentou resolver esta questão com uma nova lei, o Projeto de Lei da Assembléia da Califórnia 5, AB5, que codifica os critérios legais para determinar como categorizar os trabalhadores. Aplicando o “teste ABC” de três partes que muitos estados já usam para determinar se um trabalhador é elegível para o seguro-desemprego, o AB5 torna consideravelmente mais difícil para as empresas classificarem seus trabalhadores como contratados independentes, em vez de empregados.

Para obter apoio político para a aprovação da AB5, os legisladores isentaram muitos tipos de empreiteiros independentes – como médicos, dentistas e agentes imobiliários – pelo fato de definirem suas próprias taxas de remuneração, se comunicarem diretamente com seus clientes e ganharem pelo menos duas vezes o salário mínimo. Mas o AB5 abrange os mais de 400.000 trabalhadores que trabalham para empresas de plataforma, como os serviços de compartilhamento de viagens Uber e Lyft e a empresa de entrega de alimentos DoorDash.

A aplicação da AB5 significa que essas empresas terão que começar a fornecer a seus motoristas benefícios como salário mínimo, horas extras, licença médica, seguro-desemprego e contribuições do empregador para o medicare (sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos da América) e seguridade social. Além disso, as empresas que empregam trabalhadores temporários podem ter que negociar com sindicatos, que seus trabalhadores terão agora o direito de formar.

Como observou o governador da Califórnia, Gavin Newsom, o AB5 é um passo importante para proporcionar segurança econômica aos trabalhadores. No entanto, como os apoiadores e oponentes da lei também reconhecem, as mudanças podem aumentar significativamente os custos de mão-de-obra – em cerca de 20 a 30%. Esta é a última coisa que as empresas de plataforma e seus investidores desejam.

Não é de surpreender que Uber e Lyft tentaram interromper a AB5, oferecendo a implementação de um piso salarial, a criação de um fundo de benefícios e a possibilidade de trabalhadores formarem organizações para defender seus interesses, em troca de continuarem a classificá-las como contratadas independentes. Os legisladores da Califórnia, no entanto, rejeitaram as propostas das empresas, que ficaram aquém dos benefícios e proteções de que os funcionários desfrutam sob as leis estaduais e federais. Propostas semelhantes foram rejeitadas em Nova York, Nova Jersey e Washington.

Mas as empresas de plataforma não desistirão tão facilmente. Em resposta a BA5, diretor jurídico da Uber, Tony West, divulgou um comunicado declarando: ‘Continuamos a acreditar que os motoristas estão devidamente classificados como independente’, porque eles são ‘fora do curso normal dos negócios da Uber.’ Isso é bizarro e uma reclamação ultrajante para uma empresa cujo modelo de negócios se baseia em dar carona e fazer entregas. Uber, Lyft e DoorDash prometeram US $ 90 milhões para uma iniciativa de votação na Califórnia em 2020 que essencialmente os isentaria do AB5.

As empresas de plataforma também estão seguindo outra rota para fugir do AB5. A Califórnia permite que os proponentes de uma iniciativa de votação a retirem, se acreditarem que os problemas que ela pretende resolver foram resolvidos. Portanto, Uber e Lyft estão desenvolvendo um plano atualizado que definiria padrões de pagamento mais altos, forneceria mais benefícios e criaria um mecanismo de feedback do motorista.

O sucesso dessa abordagem está longe de ser garantido, e não apenas na Califórnia. Vários estados – incluindo Nova York, Illinois, Oregon e Washington – estão considerando uma legislação semelhante à AB5, e muitos candidatos presidenciais democratas saudaram a passagem da AB5, sinalizando que apoiariam sua aplicação nacionalmente.

O governo do presidente Donald Trump, no entanto, opõe-se a estender as proteções tradicionais de emprego aos trabalhadores de gig work. O Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, nomeado por Trump, determinou recentemente que os trabalhadores de gig work são contratados independentes, sem o direito de sindicalizar. Em meio a debates acalorados sobre o poder de mercado da Big Tech, pode-se esperar que o AB5 e legislação semelhante gerem grandes batalhas legais e políticas em 2020.

Enquanto isso, supondo que a AB5 seja aplicada, os empregadores manterão a autoridade para determinar como distribuir os custos crescentes de mão-de-obra entre as partes interessadas – acionistas, trabalhadores e clientes. As decisões de empresas individuais serão moldadas tanto pelo poder de mercado tradicional quanto pelo poder de monopsia – ou seja, pelo poder nos mercados de trabalho onde contratam trabalhadores.

O próprio Newsom reconheceu que o AB5 é apenas um primeiro passo. O próximo é ‘criar caminhos para mais trabalhadores formarem um sindicato, negociar coletivamente para ganhar mais e ter uma voz mais forte no trabalho – preservando ao mesmo tempo a flexibilidade e a inovação’. Para esse fim, ele prometeu ‘reunir líderes da legislatura, movimento trabalhista e comunidade empresarial’.

Tais discussões devem reconhecer o potencial dos sistemas de benefícios portáteis. Ao permitir (ou exigir) que vários empregadores façam contribuições proporcionais às contas de segurança vinculadas ao indivíduo, e não ao trabalho, esses sistemas permitem que os trabalhadores combinem benefícios das várias empresas que compram seu trabalho. Como todas as empresas teriam que fazer contribuições para todos os seus trabalhadores, um sistema de benefícios portátil nivelaria o campo de atuação entre as empresas, enquanto as desencorajaria de classificar os trabalhadores de maneira errada.

O conceito de benefícios portáteis já tem algum impulso político nos EUA. No início deste ano – cerca de três anos depois que o ex-presidente dos EUA Barack Obama endossou a idéia – o senador americano Mark Warner introduziu a Lei do Programa Piloto de Benefícios Portáteis para Trabalhadores Independentes, que estabeleceria um fundo de US $ 20 milhões para apoiar a experimentação nessa área.

Segundo Newsom, o esvaziamento da classe média americana já faz 40 anos. Em vez de permitir que a tecnologia acelere essa tendência, os governos de todos os níveis devem fortalecer as proteções dos trabalhadores. Em um mercado de trabalho em rápida mudança, não há tempo a perder.”

Fonte: Project Syndicate
Data original de publicação: 24/10/2019

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