Por prof.ª Dr.ª Gloria Rodríguez | FHyA
O professor Dr. Ricardo Antunes, Titular de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Brasil, foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa – o mais alto reconhecimento acadêmico recebido por um Professor em função de uma trajetória intelectual de prestígio – pela Universidade Nacional de Rosário, República da Argentina, em junho de 2025. Esse reconhecimento foi outorgado em Ciências Sociais e Humanidades, em razão de sua notável trajetória nessa área e do legado de suas obras. Na ocasião, foram entregues a ele o diploma e uma medalha simbólica, registrados nas fotos desta publicação.
Antunes foi investido no cargo durante cerimônia que contou com Aula Magna, na qual dedicou aos trabalhadores de todo o mundo, de tempos passados e do presente, especialmente àqueles que hoje enfrentam, na Argentina, ataques da extrema-direita.
O título concedido ao Professor representa o reconhecimento de uma universidade pública argentina de excelência, sustentada pela sociedade do país, e foi entregue pela Prof.ª Dr.ª Gloria Rodríguez, da Faculdade de Humanidades e Artes (FHyA), cujo discurso afetuoso e profundo reproduzimos abaixo:
Homenagem solene ao Dr. Ricardo Antunes
Senhor Reitor da Universidad Nacional de Rosário, Lic. Franco Bartolacci, Senhora Vice-diretora da FHyA, Prof.ª Cristina Pérez, colegas, estudantes, público presente:
Ricardo Antunes possui uma trajetória extensa e amplamente reconhecida, como já ressaltaram os que me antecederam nesta cerimônia. Trata-se de um intelectual prestigiado, cujo nome figura entre os de maior relevância, sendo uma referência incontornável no campo da Sociologia do trabalho – não apenas em nossa região, mas também em escala mundial. Michael Löwy o destaca como um dos sociólogos mais importantes da atualidade, cujos escritos se tornaram clássicos, lidos e debatidos por estudantes, pesquisadores e sindicalistas.
Suas contribuições para a compreensão do mundo contemporâneo, da crise do capitalismo, das transformações do trabalho e da metamorfose das relações laborais nas últimas décadas – tanto nas economias centrais quanto nas periféricas – renovaram o olhar sobre as classes sociais, impulsionando o debate e a própria redefinição do pensamento sobre as formas e os sentidos do trabalho.
Entre suas obras mais influentes estão Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho (1995) e Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (1999). Ambas foram publicadas em países como Inglaterra, Holanda, Itália, Alemanha, Portugal, Índia, Argentina, México, Peru, Colômbia, Estados Unidos entre outros, sendo materiais de estudo em diversas universidades. Sua publicação mais recente na Argentina, uma tradução de O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, retoma, aprofunda e condensa esses avanços conceituais.
Essas obras se tornaram verdadeiros best-sellers – algo incomum no campo das Ciências Sociais que investigam o trabalho – graças tanto à força das ideias que expressam quanto à clareza com que são apresentadas. Gerações e gerações de estudiosos foram influenciadas por essa perspectiva.
No campo do pensamento marxista, Antunes é um dos melhores intérpretes de György Lukács, cujas contribuições ele retoma ao refutar afirmações sobre a perda da centralidade do trabalho e da teoria do valor na atual fase do capitalismo.
Sua mais recente e importante contribuição está centrada na análise do capitalismo de plataforma, ampliando a compreensão dos novos sentidos do trabalho digital e uberizado, assim como de sua trágica consequência: a derrelição dos direitos dos trabalhadores.
Desde sua perspectiva, o trabalho atual é “mais complexo, socialmente combinado e intensificado em seus ritmos e processos” do que era antes da emergência da era digital. Por isso, critica os enfoques eurocêntricos que sustentam a tese do “fim do trabalho”, da ciência como principal força produtiva no lugar do trabalho vivo ou da superação da lei do valor.
Numerosos centros acadêmicos argentinos especializados no mundo do trabalho – como a ASET, o CEIL, o CITRA, o CIET, o TEL e o NET – destacam a intensa e contínua relação que Ricardo Antunes manteve com eles, cujas contribuições conceituais fortaleceram e enriqueceram o debate público.
Mas gostaria de destacar especialmente o vínculo de Ricardo Antunes com nossa cidade, em particular com a Universidad Nacional de Rosário e com o movimento operário rosarino: sua relação com nossa universidade remonta há mais de 25 anos, durante os quais ele ministrou seminários de doutorado, conferências, painéis e palestras entre outras atividades das quais destacamos sua participação nos Encontros Ciências Sociais e Sindicalismo, organizados por nosso Centro de Estudos NET (Núcleo de Estudos do Trabalho e da Conflitividade Social, da Faculdade de Humanidades e Artes).
Em cada uma de suas numerosas visitas, Antunes manteve contato próximo com organizações sindicais e sociais de nossa cidade, realizando atividades que também se estenderam a outras universidades e localidades de nosso país, materializando, na produção bibliográfica e na arena da história, a tão desejada construção conjunta de conhecimento. Ao outorgar-lhe esta máxima distinção, nossa universidade reafirma seu compromisso com a relação entre conhecimento e sociedade.
É no caminhar pelo terreno que o pensamento fermenta. E foi justamente a profunda ligação de Ricardo com o tecido social que lhe permitiu desenvolver conceitos que não apenas renovaram o debate intelectual, como também impulsionaram novos questionamentos dentro das organizações sindicais. Refiro-me ao conceito de classe trabalhadora compreendida como a “classe-que-vive-do-trabalho”, uma formulação que permite compreender as transformações no modo de acumulação capitalista desde os anos 1970 e seus efeitos na constituição e na organização da classe trabalhadora.
Esse conceito ampliado (que inclui trabalhadores produtivos e improdutivos, proletariado rural e subproletariado precarizado atual, contratados ou informais, migrantes, de serviços e de plataformas) revela uma classe heterogênea e fragmentada à qual Antunes busca abrir uma perspectiva sindical e política. Por intermédio dele, vemos como uma renovação conceitual pode se transformar em ferramenta para a organização coletiva.
Sua atuação não se limita ao desempenho como docente ou pesquisador: Ricardo Antunes é um intelectual público militante, capaz de articular integralmente as atividades de pesquisa, docência e extensão com questões centrais da vida social contemporânea. Em tempos marcados por transformações profundas, as ciências sociais do trabalho são interpeladas com certa urgência. Diante desses desafios, Ricardo Antunes assume um compromisso que é, ao mesmo tempo, coerente e rigoroso e também vivaz e solidário. Um perfil indispensável para nossas universidades públicas, onde o conhecimento ganha sentido ao ser compartilhado em aulas, painéis, livros, artigos, debates públicos e atuação junto aos sindicados a fim de chegar ao verdadeiro destino, que são os trabalhadores e as trabalhadoras.
Pierre Bourdieu reconhecia o papel do intelectual comprometido com seu tempo como o de alguém que ultrapassa os limites da academia para intervir criticamente no debate público e nas questões políticas. Esse compromisso se revela em Ricardo quando ele apoia diretamente os sindicatos, os trabalhadores autônomos ou toma posição contra a desregulamentação dos direitos dos trabalhadores. Nosso sindicalismo local também manifesta explicitamente o reconhecimento de suas contribuições para compreender as transformações da classe trabalhadora, sua organização, sua perspectiva histórica e suas lutas.
Professor Antunes, desde esta Faculdade onde, em 1969, germinou a unidade trabalhadora-estudantil condensada na explosão dos Rosariazos, neste salão, povoado por aqueles que vivem-do-trabalho, por aqueles que se desesperam diante da desolação dos oprimidos e que buscam acabar com a normalização do sofrimento, agradecemos suas contribuições e celebramos este justo título de Doutor Honoris Causa da Universidad Nacional de Rosário, da República Argentina. Nossa universidade pública!
Dr. Antunes, nossa universidade recebeu manifestações de apoio de todas as partes do mundo à sua indicação. Intelectuais renomados, instituições acadêmicas prestigiadas, sindicatos e organizações sociais endossaram e agradeceram suas contribuições e sua trajetória. Essas manifestações, das quais também me nutri, estão reunidas nesta pasta, que agora lhe entrego.
Muito obrigada!
Rosário, República Argentina, 10 de junho de 2025
Tradução de Flávio Lima
ABET Associação Brasileira de Estudos do Trabalho