Encarar o passado para mudar o futuro

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Por Raissa Roussenq Alves | UnB Notícias

No Brasil, os direitos trabalhistas sempre sofreram muita resistência por parte da classe patronal, seja da elite econômica e social do país, seja da classe média. Na última década, vivenciamos, tanto no âmbito nacional como internacional, uma grande ofensiva às garantias das trabalhadoras e dos trabalhadores, o que, internamente, culminou na Reforma Trabalhista, cujas consequências foram agravadas pela pandemia do coronavírus. Esse contexto, aliado ao avanço tecnológico que permite tanto a proliferação de trabalhos por meio de aplicativos como a criação de ferramentas de inteligência artificial como o ChatGPT, torna o cenário temeroso, apesar das mudanças de direcionamento no âmbito do Governo Federal.


Geralmente pautada pelas questões de classe, a discussão sobre as transformações do mundo do trabalho ainda é insuficiente no que tange ao papel que gênero e raça possuem na conformação do mercado de trabalho brasileiro. Ainda mais quando consideramos o contexto escravista no qual este se baseou. Não à toa, ainda presenciamos a existência de trabalho escravo no país, bem como argumentos patronais que poderiam ser extraídos diretamente das falas de senhores escravistas do século XIX. O papel fundamental exercido pela escravidão e, por consequência, do trabalho de pessoas negras e indígenas, para a construção do Brasil enquanto nação é cotidianamente apagado ou menosprezado, dando margem à perpetuação de estereótipos racistas.


Em mais um 1º de maio, o Brasil permanece com o desafio de lidar com as consequências de uma memória fragmentada, que se recusa a enxergar com franqueza e responsabilização um passado-presente de raízes escravocratas, assim como um projeto de nação centrado na exploração de pessoas racializadas. Qualquer medida tomada sem esse acerto de contas – cada dia mais urgente –, será apenas paliativa, na medida em que não será capaz de enfrentar as verdadeiras raízes de tanta desigualdade social.


Essa revisão implica, ainda, reconhecer que os direitos trabalhistas no Brasil, embora fundamentais em sua missão protetiva, ao insistirem na centralidade da relação de emprego, deixam de fora parte significativa da população brasileira que, historicamente, mesmo em tempos de crescimento econômico, esteve submetida a relações de trabalho precarizadas e informais, ficando à margem da proteção jurídico-trabalhista. Esse aspecto se torna ainda mais relevante quando consideramos que, para boa parte das trabalhadoras e dos trabalhadores, possuir carteira assinada não significa mais alcançar condições dignas de existência, bem como os novos desafios lançados no campo trabalhista pelos avanços tecnológicos.


Os próximos anos serão decisivos no enfrentamento à precarização no mundo do trabalho, especialmente às falsas promessas apresentadas pelos defensores da Reforma Trabalhista. Essa investida passa não só pela revisão da legislação existente, como pelo investimento em políticas públicas de capacitação técnica e o fortalecimento da auditoria-fiscal do trabalho. Especificamente no que se refere ao trabalho escravo contemporâneo, ainda há muito o que ser feito para alcançar a reinserção laboral das pessoas resgatadas e a punição dos infratores. Indo além, trata-se, ainda, da construção de possibilidades de vida que não estejam atreladas ao tempo e às necessidades capitalistas, como nos ensinam os povos indígenas e quilombolas, entre outros.


Entretanto, no pano de fundo dessas ações estão implicadas grandes mudanças, sem as quais nada disso será realmente efetivo. Estamos falando de um acerto de contas com a memória nacional e, acima de tudo, de uma repactuação dos termos nos quais a sociedade brasileira está fundada. É preciso dar aos verdadeiros protagonistas – povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, população negra etc. – o seu lugar no palco das decisões que lhes foi historicamente negado. Para isso, é necessário o investimento de toda a sociedade, especialmente da que se beneficia com o arranjo existente, no desmantelamento das atuais estruturas de poder.

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Fonte: UnB Notícias

Data original de publicação: 28/04/2023

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