Por Tatiana Dias | Intercept Brasil
Data original de publicação: 22/09/2025
Autora de livro sobre a OpenAI, criadora do ChatGPT, Karen Hao alerta que, por trás do lucro, a indústria de IA defende uma ideologia predatória que aprofunda a desigualdade e repete lógicas coloniais.
Esqueça ferramentas e chatbots. Para compreender a indústria de inteligência artificial, você precisa entender de imperialismo e ideologia. Ou melhor: religião. Essa é a visão de Karen Hao, jornalista autora de “Empire of AI” (Império da IA), ainda sem edição brasileira, livro que mergulha na história da OpenAI, criadora do ChatGPT, e está há semanas na lista dos mais vendidos dos EUA.
Hao, que trabalhou em veículos como The Atlantic e MIT Technology Review, passou anos cobrindo o mercado de tecnologia, particularmente o desenvolvimento de IA e os conflitos internos da empresa de Sam Altman. Seu livro é revelador não apenas por mostrar bastidores e disputas corporativas entre bilionários do Vale do Silício, mas por escancarar a IA como uma nova forma de imperialismo que reproduz as mais arcaicas formas de exploração da humanidade.
Tudo isso tendo como combustível não apenas a busca por lucros incessantes, mas principalmente uma tal “inteligência artificial geral”, a AGI, na sigla em inglês – que, dizem, pode salvar (ou destruir) a humanidade.
Essa corrida, com protagonistas homens brancos megalomaníacos como Elon Musk e Sam Altman, tem como combustível energia e água consumidos em quantidades colossais por data centers, conteúdo de filmes, livros e jornais raspados sem autorização nem pagamento e dados produzidos por trabalhadores mal pagos em países pobres bem longe da Califórnia.
A história da OpenAI é uma fábula para contar uma história muito maior sobre imperialismo e uma nova ordem mundial que se aproxima. “Governar a IA é governar o futuro da humanidade”, escreveu Hao no livro.
Turbinada com bilhões da Microsoft, e fixada na ideia de alcançar a AGI, a OpenAI sintetiza um modelo de visão do mundo e desenvolvimento construído de forma agressiva, extraindo o maior número possível de dados, recursos naturais e trabalho precário de nós – os países do Sul Global – para gerar muita riqueza para eles.
Mas Karen Hao explica que essa indústria não é apenas sobre lucro – até porque, até agora, a indústria da IA não tem sido lucrativa. “Eles buscam esse desejo de modelar completamente a inteligência humana e criar o que eles percebem como deuses digitais”, explicou ela, em entrevista ao Intercept Brasil.
Nesse contexto geopolítico, o Brasil está naquela velha posição: fornecedor de matéria-prima e mão de obra barata. Mas somos particularmente relevantes neste momento. Além do boom de data centers, a OpenAI está se preparando para lançar um escritório por aqui, o primeiro da América Latina. E já deu pistas de que pretende brigar para afrouxar as regras de IA que estão em discussão para poder operar com mais tranquilidade.
No início de setembro, Nicolas Andrade, diretor de políticas públicas da empresa na América Latina, publicou um artigo em que clama pela criação de um ambiente regulatório que “estimule a inovação” no Brasil e dá alfinetadas no projeto para regulamentar a IA, em tramitação no Congresso, que estabelece regras duras para sistemas de alto risco.
Andrade afirma que já são mais de 50 milhões de brasileiros que usam o ChatGPT mensalmente – a maioria jovens, que o lobista da OpenAI chama de “nativos da IA” que “usarão seu conhecimento tecnológico para promover o crescimento econômico futuro”. Diz, também, que “agora é o momento da IA no Brasil”.
Quando falei para Hao sobre esse artigo, ela me disse: “ao seguir sua liderança, vocês estão apenas caindo na armadilha”. “As empresas estão se envolvendo com muitos países diferentes e se aproveitando dessa insegurança que muitos sentem sobre estarem atrasados na próxima era da revolução”, explicou. Essa indústria de IA, para ela, defende um tipo de avanço tecnológico que apenas leva à consolidação de seus impérios.
E há, sim, maneiras de se usar a IA para real benefício da humanidade – mas isso não vai acontecer enquanto esses mesmos imperadores ditarem as regras, em um discurso quase místico. Karen Hao defende que é preciso explicar como esses sistemas funcionam – e, assim, quebrar a magia.
ABET Associação Brasileira de Estudos do Trabalho