Os 44.099 novos cadastrados desde janeiro são equivalentes a toda a população de uma cidade do porte de Pedreira (Alessandro Torres)

Número de condutores aptos a trabalhar com aplicativo cresce 17,5%

Em 2025, habilitados chegam a 295 mil, contra 251 mil no ano passado

O número de motoristas aptos a trabalhar com aplicativos de passageiros aumentou 17,52% nos últimos nove meses em Campinas, com praticamente sete nove registros sendo feito por hora. Em setembro, 295.838 condutores estavam inscritos na Empresa Municipal de Desenvolvimentos (Emdec), contra 251.739 em dezembro passado. Os 44.099 novos cadastrados desde janeiro são equivalentes a toda a população de uma cidade do porte de Pedreira. O número não representa, necessariamente, o total de condutores atuando na atividade, mas os que estão autorizados, com o crescimento ocorrendo no momento que pesquisa divulgada ontem pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em cooperação técnica com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostra que a alta está acompanhada pela precarização da atividade.

“Esse trabalho em plataformas digitais vem se desenvolvendo à margem da legislação trabalhista e da Previdência social. Então, ele acaba sendo um trabalho extremamente precarizado”, afirmou a procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck, do MPT em Campinas e responsável pela cooperação. Ao aderir o serviço por aplicativo, a pessoa abre mão de garantias como registro em carteira, piso salarial, jornada de trabalho regulamentada, férias remuneradas, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Outros direitos deixados de lado são o descanso semanal remunerado, horas extras, adicionais (como o noturno), licença-maternidade e paternidade, seguro-desemprego e aviso prévio.- Publicidade –

Esse quadro afeta, porém, um número maior ainda maior de trabalhadores em Campinas, pois não há uma estatística de prestadores de serviços que atuam para aplicativos de entrega de alimentos, farmácias, pizzarias, lanchonetes, documentos e outras áreas. O motorista de aplicativo Adeilson dos Anjos mantém uma jornada de trabalho diária de 12 a 14 horas para conseguir uma renda considerada como aceitável e reclama da forma de remuneração. “Em uma corrida de R$ 200, R$ 115 ficam com o aplicativo. É mais ou menos meio a meio, mas a gasolina, manutenção, risco de acidente e tempo de trabalho são meus”, explicou ele, que busca alternativa para deixar a atividade. 

O condutor é um concurseiro, prestando provas para professor em várias cidade da região, como Hortolândia, Indaiatuba e Itatiba. “É só passar em um concurso que deixo isso para trás”, afirmou motorista. O levantamento feito pelo MPT e Unicamp teve como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) 2024 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e apontou outros prejuízos para os trabalhadores por aplicativo. Eles têm, em média, jornal semanal 5.5 horas mais longa que os não plataformizados e tem 8,3% por hora trabalhada. A remuneração é de R$ 15,40, conta R$ 16,80 dos demais, apesar do rendimento médio mensal ser maior. “O aumento do rendimento mensal é resultado do excesso de horas trabalhadas, não de uma valorização do trabalho”, apontou o relatório. 

VOLTA PARA A ESTRADA 

O também motorista de aplicativo Éder Luiz Lopes não vê a hora da retífica do motor de seu caminhão ficar pronta para voltar para o volante do bruto. Ele trocou de atividade há 1 ano quando o motor fundiu, para não ficar parado e levantar dinheiro para o conserto, que ficou em R$ 32 mil e ficará pronto em breve. “O caminhão é meu e ganho muito mais como caminhoneiro. O custo-benefício nem se compara lá na frente”, disse Éder Lopes. Atualmente, ele começa a trabalhar às 5h30, com a jornada se estendendo ate as 21 horas. Adeilson dos Anjos e Éder Lopes são exemplos dos 1,7 milhão de brasileiros que trabalham para plataformas digitais, aumento de 30,77% em comparação ao 1,3 milhão de 2022. 

A categoria já representa 1,9% da população ocupada no setor privado. Segundo o estudo, a região Sudeste concentrando o maior contingente desses trabalhadores, 53,7% do total, com o número chegando a cerca de 913 mil. Entre os trabalhadores que se ativam em plataformas digitais, prevalecem aqueles com formação entre nível médio completo ou superior incompleto. Para a procuradora Clarissa Schinestsck, a expansão da atividade ajuda inviabilizar a Previdência e a Seguridade Social, pois os números do IBGE apontam uma alta informalidade. Segundo a PNAD, 61,9% não fazem nenhuma contribuição previdenciária, apesar de um aumento de 2,2 pontos percentuais em comparação a 2022. 

O resultado é uma conta paga por todos os contribuintes brasileiros. “Há um alto índice de acidente com alta gravidade, com o entregador ficando de 30 a 60 dias internados no hospital, geralmente pelo SUS, porque não tem um plano de saúde, um seguro. E quem que paga a conta do SUS? É a sociedade, mas quem capitaneia os lucros do trabalho por plataforma são as empresas”, ponderou a represente do MPT. 

A pesquisa mostra que o discurso de autonomia, frequentemente usado pelas empresas de plataforma, contrasta com o controle efetivo exercido sobre os trabalhadores. Entre os motoristas de transporte particular, 55,8% relataram ter a jornada influenciada por bônus e promoções definidos pelas plataformas, enquanto 50,1% dos entregadores afirmaram estar sujeitos aos mesmos mecanismos. Além disso, mais de 30% declararam sofrer ameaças de bloqueio ou punição caso não cumpram metas determinadas pelo algoritmo. 

DIVIDE OPINIÕES 

“O controle algorítmico, aquele que faz com que os trabalhadores se matem, corram, descumpram as regras básicas de trânsito, tudo para poder sobreviver, além dos incentivos das plataformas para obrigá-los a ficarem logados o tempo todo em um processo de ‘gameficação’”, alertou o pesquisador Ricardo Antunes, da Unicamp. Isso ocorre, por exemplo, em dias de chuva, quando as plataformas digitais pagam um bônus para os trabalhadores continuarem rodando para transportar os passageiros ou fazr entregas. 

“As empresas colocam promoções para mais trabalhadores irem para as ruas para prestarem esses serviços e garantem a estabilidade da oferta de serviço. Aparentemente, os trabalhadores têm liberdade para escolher se vão ou não aderir, mas, na verdade, precisam aderir para ganhar mais, Caso contrário, não conseguem ter o rendimento mínimo que eles necessitam para sobreviver”, afirmou a procuradora. 

Apesar do quatro traçado pelo Ministério Público e pela universidade, o tema gera polêmica e a atuação para plataformas tem seus defensores. 

“Eu ganhava antes pouco mais de R$ 1,8 mil por mês. Hoje, tiro isso por semana”, disse o motoboy José Fernando Souza Santos. Ele trocou há dois o ano o emprego registrado na área de logística para fazer entrega de motocicleta. “Tiro uns R$ 200 por dia. Em um dia bom chega até a R$ 400”, argumentou. O motociclista trabalha de 10 a 12 horas por dia de segunda a sexta-feira. Ele tira os finais de semana para ficar com a família, mas não é remunerado pelo descanso aos sábados e domingos. 

Abionan Targino Júnior trocou o emprego de garçom pelo de motoboy e disse estar satisfeito. Ele trabalha com a meta diária de faturar R$ 300, levando de 8 a 10 horas para isso. Nesse ritmo de trabalho, recentemente o motor da moto fundiu. O conserto ficou em R$ 1 mil, tudo bancado pelo motociclista. 

“Tudo tem o seu lado bom e ruim. Apesar de não não ter direitos trabalhista, compensa”, afirmou o motoboy Lucas Gabriel Contiero. Para ele, a atividade como autônomo o deixa sem chefe e isso conta a favor. “Só o fato de você não ter alguém lhe cobrando, pressionando o tempo todo, vale a pena”, disse. Ele tem o registro como o MEI, que lhe garante o pagamento de auxíliodoença e aposentadoria no futuro, por exemplo. 

O estudo também mostra que 72,5% deles atuam em transporte, armazenagem e correios, e 58,3% com transporte particular de passageiros. A maior parte é composta por homens (83,9%), com ensino médio completo ou superior incompleto (59,3%), e trabalhadores por conta própria (86%). 

Entre os condutores de automóveis, os plataformizados registraram rendimentos mensais R$ 341 superiores aos dos motoristas tradicionais, mas trabalham cinco horas a mais por semana, com baixo acesso à previdência oficial. Já entre os motociclistas, o número de trabalhadores de aplicativo cresceu em 140 mil no país entre 2022 e 2024. Para a procuradora Clarissa Schinestsck, o avanço da atividade traz o risco do “trabalho sem direitos vira regra”. De acordo com ela, “esses números nos preocupam não apenas pelos impactos sobre os trabalhadores, mas também pelo risco desse modelo se espalhar para outros setores, corroendo direitos e reduzindo a arrecadação pública”, afirmou. 

Isso está se expandido para cuidadores, e-commerce, plataformas de mídia e outras áreas. “A transformação digital não pode significar um retrocesso nas relações de trabalho. É possível conciliar tecnologia e dignidade, desde que haja regulação e compromisso social”, enfatizou. Para a procuradora, isso se dará pelo cumprimento da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

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