Remuneração chega ao dobro da carteira assinada, mas Estado perde receita; STF analisará pejotização em setembro
Por Fernando Canzian | Folha de São Paulo
Data original de publicação: 10/08/2025
SÃO PAULO O número de trabalhadores por conta própria com CNPJ vem dando saltos no Brasil, e na
maioria das atividades em que atuam eles têm obtido remuneração acima do que é pago a quem é
empregado formal em profissões equivalentes.
Há casos em que a remuneração dos chamados PJ chega ao dobro (ou mais do que isso) em relação a
quem trabalha com a carteira assinada.
Isso tem estimulado milhões de trabalhadores a migrar para o regime conta própria, mas há também
a suspeita por parte do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) de que muitos sejam obrigados por
empregadores a deixar a carteira assinada para constituir uma empresa.
O resultado desse movimento tem sido uma considerável diminuição das contribuições de
empregadores e empregados à Receita Federal e à Previdência Social, algo compensado em parte pelo
aquecimento do mercado de trabalho e o aumento também das contratações formais.
Estudo do economista Nelson Marconi, da Eaesp (Escola de Administração de São Paulo da FGV),
mostra que geralmente são os trabalhadores mais escolarizados os que estão obtendo maior
remuneração como PJs em relação a seus equivalentes (nos mesmos setores) com carteira assinada.
O trabalho considera o rendimento médio das várias profissões analisadas (formais, informais e com
ou sem CNPJ) igual a 1. Assim, é possível observar quanto recebem os empregados com carteira e os
por conta própria com CNPJ em relação à média 1 -a partir de dados da PnadC (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua).
“Nota-se hoje no mercado uma preferência pela autonomia e pela liberdade de jornada de trabalho,
mas que não resulta em precarização em virtude do nível de escolaridade desse grupo”, diz Marconi.
Mesmo em setores que não demandam muita educação e empregam maciçamente, como construção
e comércio, os trabalhadores por conta própria com CNPJ ganham mais do que os empregados
formais.
Para Marconi, a estrutura de altos custos no Brasil para contratar pessoas com carteira assinada leva
os trabalhadores e empresas a um “trade-off”: de um lado, o trabalhador opta por remuneração maior
enquanto perde alguns direitos sociais (como férias e 13°); de outro, o empregado reduz custos, mas
opera com colaboradores mais propensos à rotatividade, com menor dedicação e conhecimento das
empresas em que atuam.
Outro trabalho da Eaesp estimou que empresas que contratam com carteira assinada têm de arcar
com um custo 68,1% acima do salário pago para cobrir encargos trabalhistas, como FGTS, 13°, férias e
INSS, entre outros. Em grande parte dos casos, ao contratar o trabalhador por conta própria com
CNPJ e ao deixar de pagar essas obrigações, o empregador repassa parte do valor à remuneração do
contratado.
O Ministério do Trabalho, porém, sustenta que muitos trabalhadores estão simplesmente sendo
obrigados a abrir empresas para poder trabalhar.
A pasta conduziu uma pesquisa com dados de 2022 a 2024 e constatou que 4,8 milhões de
trabalhadores demitidos retornaram ao mercado como pessoas jurídicas -3,8 milhões como MEI
(microempreendedor individual) e 1 milhão em outras modalidades, como pelo Simples. O MTE sabe
que são as mesmas pessoas pois o acompanhamento se deu pelo CPF do trabalhador.
“A reforma trabalhista de 2017 regulamentou a terceirização, e isso é permitido em lei em casos
específicos, não negamos isso de forma alguma, mas há parâmetros estabelecidos e isso não significa
que possa haver uma pejotização irrestrita”, afirma Dercylete Loureiro, coordenadora-geral de
Fiscalização do Trabalho e Promoção do Trabalho Decente do MTE.
“Há muitos casos em que a pessoa não tem um CNPJ para empreender. Ao contrário, elas são
obrigadas a isso para ter acesso a postos de trabalho”, diz. Loureiro afirma que, “se não for por amor
[à lei], será pela dor” que a legislação terá de ser cumprida, em referência à perda de arrecadação que
o Estado tem com a pejotização em massa.
ABET Associação Brasileira de Estudos do Trabalho