Lugares de Memórias dos Trabalhadores: Centro Municipal de Educação Adamastor, Guarulhos (SP)

Casimiras Adamastor , década de 1950. Fotografia de Massami Kishi, Arquivo Histórico Municipal de Guarulhos SP.

Por Roger Camacho | Para LEHMT

“A chaminé da Casimiras Adamastor se destaca na paisagem do bairro do Macedo em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, podendo ser vista tanto do centro da cidade quanto da rodovia Presidente Dutra. Aquela edificação, contudo, não foi somente um local de produção, mas também um espaço de convivência, conflito e construção de laços sociais, deixando marcas não apenas no ambiente urbano, mas também na memória coletiva local.

Guarulhos se expandia no começo do século XX devido à chegada de trabalhadores estrangeiros e ao crescimento da demanda por tijolos e materiais de construção para atender às obras de urbanização de São Paulo. A cidade já contava com olarias, mas surgiam agora indústrias mecanizadas, como a Cerâmica Remy (1913), no bairro da Vila Galvão, e a Cerâmica Brasil (1923), no Macedo. Esta última foi construída onde antes havia um pomar e muito próxima ao centro, atraída, assim como a Remy, pelo Ramal Guarulhos do Trem da Cantareira, inaugurado em 1915 para agilizar o transporte de pessoas e produtos com São Paulo.

Parte expressiva dos trabalhadores da Cerâmica Brasil provavelmente era de migrantes italianos, japoneses e sírio-libaneses (bem como seus descendentes), moradores do seu entorno ou do centro da cidade (ali próximo). Tal composição étnica foi sofrendo modificações, já que Guarulhos passou de 8 mil habitantes em 1914, para cerca de 30 mil em 1945. A partir dos anos 1940 chegavam também trabalhadores nordestinos, muitos dos quais atraídos pelo incentivo à contratação de brasileiros, pelas barreiras à entrada de estrangeiros durante a Segunda Guerra Mundial.


O perfil industrial da cidade também vinha mudando, fazendo com que os setores metalúrgicos, químicos, entre outros, passassem a predominar, transformando Guarulhos em um dos principais polos industriais do país na década de 1950.


Se as indústrias têxteis e alimentícias predominavam nas décadas de 1910 e 1920 (4 edificações de 6 abertas no período), a metal-mecânica passou a ser a maioria das novas instalações (5 de 8 entre 1930 e 1945). A inauguração da Cidade Satélite Industrial de Cumbica (1945) e a abertura da Rodovia Presidente Dutra (1951) contribuíram para essa transformação. Em meio a esse processo, a Cerâmica Brasil foi desativada e transformada numa tecelagem: a Casimiras Adamastor (1946), iniciando suas atividades com cerca de 400 trabalhadores (as). O trabalho feminino, expressivo na nova indústria, permanece na memória local: “Não tinha menina desempregada, todas trabalhavam no Adamastor! ” relembra Eva dos Santos ao programa “Relatos da Memória”, da Prefeitura Municipal de Guarulhos.

No entorno da Casimiras Adamastor havia lojas, uma igreja (a Capela Bom Jesus) e um conjunto de casas destinadas a abrigar seus operários, o que se manteve nas lembranças de quem conviveu com a fábrica. Nadir Aparecida da Silva, por exemplo, fala que sua casa ficava dentro do terreno da tecelagem e que passou sua infância brincando naquele salão, pois seu pai trabalhava ali. As moradias erguidas pela fábrica foram demolidas para a construção de uma ponte estaiada em 2006.

Guarulhos contava com mais de 500 mil habitantes quando a Adamastor foi desativada em 1980. O encerramento de suas atividades foi decorrente de um processo de êxodo fabril iniciado nos anos 1970 com a supressão de incentivos fiscais e a inauguração da Zona Franca de Manaus (1967). A tecelagem acabou sendo transformada em uma loja de estofados e depois numa pista de kart. Desgastada e abandonada, ela foi tombada por decreto municipal (2000), desapropriada (2001) e se tornou um Centro Cultural em 2003. Um dos motivos para a sua preservação foi o fato de ser a última fábrica com uma chaminé de tijolos nos arredores do centro. Havia também a preocupação da gestão Elói Pietá (PT) em fomentar a cultura e a memória operárias guarulhenses.

Algumas pessoas (em sua maioria mulheres) acompanharam as obras daquilo que viria a ser o Centro Municipal de Educação e falaram bastante do contramestre e dos chefes, lembrados como autoritários, pois proibiam as conversas durante o expediente e vira e mexe descumpriam a promessa de recompensas pelo excedente de trabalho. Lucília Rita de Sá chegou a dizer que o espaço parecia uma prisão. Maria Falabela recordou que se escondia em caixotes posicionados perto das máquinas para contrariar a vontade de seus patrões, reduzindo propositalmente a produção do dia. Ela disse também que havia poucos homens dentre os trabalhadores e que aqueles presentes eram mais velhos, fazendo com que a busca por namorados fosse uma tarefa hercúlea.

O Centro Cultural ainda passou por uma ampliação e atualmente abriga o Arquivo Histórico Municipal, um teatro, uma biblioteca e um centro de convenções. O Adamastor é o principal espaço de cultura da cidade, pois, dentre os demais, é aquele que reúne o maior número de eventos e atividades, além de sediar a Secretaria Municipal de Cultura em um anexo. Ao olhar para a chaminé da antiga cerâmica/tecelagem remetemos a um passado operário, além das lembranças compartilhadas entre aquelas (es) que trabalharam, riram e choraram naquele local.”

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Fonte: LEHMT

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